"Uncertain of his sister's fate, a boy enters limbo"
Em livre tradução, "Incerto sobre o destino de sua irmã, um garoto entrou no limbo".
Limbo
E sim, essa é a única informação que o jogo te proporciona. Nada de diálogos. Nada de textos. Nada de cutscenes. Nada de cores. Nada de imagens. Nada a não ser morte. Nada a não ser Limbo.
Limbo é um jogo independente de plataforma 2-D focado em resolução de pequenos quebra-cabeças lançado pela Playdead no ano de 2010, inicialmente apenas para a XBOX Live Arcade, para depois agraciar todas as outras plataformas, possuindo versão até para sistemas Android e iOS. O jogo possui entre 2 e 3 horas de gameplay, a depender da velocidade com que o jogador consegue decifrar os desafios lançados. Basicamente você percorre um universo escuro e distópico enfrentando desafios diversos em busca de sua irmã.
Inicialmente Limbo é um jogo que não possui enredo algum. Ele não trás de forma explícita nenhuma informação sobre o universo em que se passa, muito menos sobre o o motivo de você estar ali enfrentando quebra-cabeças mortais. Você apenas sabe que busca a sua irmã, que esta possui um destino incerto e que para localizá-la você entrou no limbo. Mas como dito, essa é apenas a primeira impressão do jogo. Limbo é um jogo-arte e, como tal, é uma obra prima, que revolucionou o conceito de entretenimento digital. O enredo está todo na interpretação que você dá ao jogo, tomando por base os fatos e as pistas que o próprio jogo lhe apresenta. Este review não vai entrar em nenhuma das teorias sobre o jogo, pois uma das grandes qualidades de Limbo está na sensorialidade proporcionada. O jogo é todo pautado nas experiências que você sente ao jogar, na percepção que você tem das coisas que acontecem, na forma como você observa os fatos, os cenários e as pistas joga. E nisso, meus caros, Limbo é incrível.
Para casar com todo esse mistério, Limbo também não apresenta trilha sonora, a não ser alguns barulhos que se intensificam em determinadas cenas do jogo. O aspecto é de solidão e a ausência de trilha sonora aflora esse sentimento no jogador. O que acompanha o garoto em sua jornada são apenas os sons dos próprios passos que dá, da respiração ofegante e do agressivo, lúgubre e hostil ambiente que o circunda. E é inegável que os efeitos sonoros de Limbo são de extrema qualidade, proporcionando uma perfeita ambientação e uma experiência de jogo sensacional.
Já em relação à parte gráfica, Limbo é minimalista e cartunesco. Não há cores no jogo, a não ser escalas entre preto e branco. Seu personagem não passa de uma silhueta negra e cabeçuda, demarcada por dois pontos brilhantes em seu rosto, que são os seus olhos. E é incrível, pois os olhos representam sua vida. Enquanto você está vivo no jogo, seus olhos estão acesos, brilhantes. Muitas coisas no jogo são graficamente simplórias, mas isso é completamente intencional. Limbo é um jogo sensorial, então você deve experimentar o que o jogo lhe exibe, para então descobrir o que essas coisas são e como você deve interagir com elas. Mas mesmo sendo minimalista e simples, a parte gráfica e artística do jogo é inigualável. Cenários enevoados, úmidos, claros ou escuros, tudo é capaz de ser observado, mesmo sendo que de forma simplista, apenas em preto-e-branco.
A gameplay de Limbo é sensorial (que seja dito pela terceira vez no texto, pois isso é muito importante para a experiência que o jogo proporciona). Limbo não possui nenhum tutorial, nenhuma informação de como ser jogado, nada. Seu personagem simplesmente levanta naquele mundo e você, ao assumir o controle, deve descobrir o que fazer (como tantos outros jogos 2-D sidescrolling do passado). Muito disso é proporcionado pela animação do personagem, que é de primeira qualidade. Ele possui reações quando se aproxima de coisas ou até quando enxerga objetos na tela, deixando pistas sobre possíveis interações com o cenário.
E como dito anteriormente, o que demarca sua sobrevivência é o brilho nos olhos do seu personagem. Enquanto os olhos estão abertos e vívidos, você está vivo. A tela do jogo é limpa de qualquer informação. Você não tem uma barra de energia, não tem equipamentos, não tem invetório, não há sistema de pontuação, nada. O jogo não te proporciona qualquer tipo de informação, apenas o seu personagem, o cenário e os obstáculos. E sim, você verá os olhos do seu personagem se apagarem muitas e muitas vezes. Limbo é um jogo difícil, qualquer coisa na tela é uma ameaça e pode acarretar a morte. Seu personagem será massacrado em animações brutais por diversas vezes. O jogo foi feito para ser explorado e como o ambiente é extremamente hostil a exploração natural acarretará em inúmeras mortes.
A única crítica que pode ser feita à gameplay está na falta de responsividade dos comandos de pulo. Limbo possui alguns momentos de precisão nos saltos e as vezes os controles não são muito responsivos, gerando por diversas vezes mortes completamente desnecessárias.
De qualquer forma, Limbo é uma obra de arte a ser apreciada por qualquer pessoa que goste de video-games.
Inside
Segundo jogo produzido pela Playdead e disponibilizado ao mercado em meados de 2016 para Xbox One, Ps4 e Windows, Inside é um digno predecessor espiritual de Limbo. Também é um sidescrolling de quebra-cabeças, mas agora apresentado em 2.5D com maestria única na plataforma Unity Game Engine.
A produção de Inside iniciou-se em 2010, logo após o término de Limbo e aproveitou muitas ideias que fizeram do primeiro título um sucesso. Porém, abandonando a forma cartunesca, este título possui um realismo gráfico que impressiona. Os cenários são coloridos, mesmo que numa predominância de cinza. Os personagens possuem proporções iguais às de um humano comum e as animações são extremamente polidas e trabalhadas para que pareçam reais.
A forma de abordagem é igual nos dois títulos. Não há nenhuma informação de enredo. Você simplesmente assume o controle de uma criança que aparece na mata e deve seguir em frente e descobrir o que está acontecendo no mundo apresentado. É isso e apenas isso. Não há nenhuma informação na tela, nenhum tutorial, nenhuma fala, nenhuma caixa de diálogos, nada. É você quem deve descobrir o que fazer e como jogar, por sua conta e risco.
Mas existe uma diferença importante entre Inside e seu antecessor. Enquanto Limbo se passava em um mundo fantasioso, aqui o que se apresenta é algo real, mesmo que distópico. Você passará por florestas, áreas rurais, industriais e comerciais, tudo em um universo realista que mescla a atualidade com um futuro tecnológico desconhecido. Este universo que é apresentado mostra um local deteriorado, abandonado, quase vazio de vida humana, à exceção dos seus predadores e das marionetes. Sim, predadores! Você é uma presa, e como toda a presa, deve fugir, correr, se esconder e sobreviver aos experimentos de controle da mente, para não virar mais uma marionete (isso não significa que você não seja uma marionete desde o início).
O enredo é entregue em pequenas doses de experiência durante a própria gameplay. E o que o jogo lhe exibe é justamente um grande experimento de controle da mente em um universo completamente mórbido e deteriorado que, na mesma pegada de Limbo, possui diversas teorias e interpretações. O jogo apresenta conspirações fascistas, experimentos animais, experimentos humanos, testes de tecnologia, armas biológicas, dentre outras coisas, todas elas misturadas em um turbilhão de nada que deve ser interpretado pelo jogador.
Como Limbo, Inside também é um jogo de experiência em que você é forçado a explorar os cenários para descobrir como avançar e desvendar os pequenos quebra-cabeças existentes, num sistema de tentativa e erro muito parecido com o dos jogos roguelike.
Graficamente é um dos jogos mais bonitos da atualidade, ainda mais por se tratar de uma produção independente. Inside possui cenários 3D ricamente trabalhados e extremamente polidos. Os efeitos de luz e sombra nos ambientes são primorosos e as animações de movimentação são fantásticas. É impressionante ver seu personagem correr no cenário, vê-lo tropeçar em obstáculos, pular, se pendurar, arrastar coisas, observar como as sombras brincam com a incidência da luz, enfim. Tudo no jogo impressiona. Vale mencionar que este é um jogo difícil e você verá a criança sem nome que protagoniza o jogo morrer diversas vezes em animações atrozes.
A parte sonora do jogo é primorosa. Não há uma trilha sonora propriamente dita, mas o jogo emite alguns sons em determinadas situações, apenas para aplicar certa tensão no jogador ou para melhorar a experiência de imersão. Mas a ausência de trilha sonora é compensada por efeitos de primeiríssima qualidade. Todos os sons do jogo são tão polidos quanto a parte gráfica e evidenciam um realismo surpreendente. Você ouve os passos do seu personagem, que possuem diferentes sons em função do solo onde pisa, da velocidade com que pisa, da intensidade, deixando cada passo que você dá no jogo único. A respiração do protagonista também é completamente retratada. Ele fica ofegante, respira rapidamente ou pausadamente, tudo em razão do que ocorre no jogo. Esse polimento proporciona uma imersão única, você realmente se sente observando o que está acontecendo durante o jogo.
Inside possui controles muito precisos. Limbo aparentava possuir controles mais pesados, com uma deficiência grande na precisão de pulos, problema completamente superado em seu predecessor. A parte de câmeras do jogo também possui uma direção cinematográfica excelente, com entradas e saídas, jogos de câmera em transição de cenários, enfim, tudo é mostrado com precisão milimétrica durante a experiência.
O somatório dos gráficos e animações realistas, da qualidade sonora e da jogabilidade precisa proporcionam, em conjunto com a história vaga, mas profunda, uma experiência extremamente densa e impactante, mesmo nas pouco mais de 4 horas de jogo que Inside proporciona. E novamente, a experiência é única.
Se há uma crítica que possa ser feita ao jogo, e apenas quando comparado ao Limbo, esta reside na ausência de dificuldade dos pequenos quebra-cabeças. A Playdead trabalhou muito bem nos desafios propostos em Limbo, porém Inside peca um pouco em virtude da facilidade na solução dos problemas apresentados. Duas ou três tentativas bastam para desvendar os quebra-cabeças mais difíceis, tornando o jogo um verdadeiro passeio.
Finalizando, Inside é uma obra de arte. Um jogo que merece ser colocado num pedestal e idolatrado por longos e longos anos.
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Hoje eu trouxe uma dobradinha que terminei recentemente, mas confesso que se não fosse por alguns amigos do mundo virtual eu sequer teria conhecido os dois jogos.
Sempre fui um jogador de títulos famosos, sempre dei atenção para AAA e nunca fui de me importar com indies ou títulos obscuros... Falha minha. Errar é humano e eu errei feio como gamer neste ponto. Para vocês terem uma ideia, sou tão alheio ao mundo Indie que eu tinha visto na vida apenas um pequeno vídeo de Limbo feito por um amigo meu no Youtube. Inside eu nunca tinha visto nada.
Mas enfim, participo de um grupo de WhatsApp focado em PS4 que possui cerca de 150 membros, todos aqui da minha cidade/entorno e dentre as conversas sempre esses dois títulos eram mencionados e sempre com muito louvor. Eu nunca fui curioso e nunca procurei nada sobre os títulos, até que eles apareceram em promoção na PSN. Relutei alguns dias, conversei com outros conhecidos e a indicação era unânime: Os dois títulos são, para todas as pessoas com quem conversei, obras de arte em forma de jogo de video-game.
O bom é que isso foi importantíssimo para a minha experiência. Joguei ambos os jogos de mente abertíssima. Depois de jogar Inside e Limbo (sim, joguei primeiro Inside, depois que fui para Limbo), percebi que o universo de jogos independentes podem proporcionar gratas surpresas e experiências tão boas quanto àquelas que temos jogando títulos de grandes estúdios e de altíssimos recursos.
Este fecho pessoal (e em primeira pessoa) é um pouco de "mea culpa" que eu precisava deixar registrada em algum lugar. "Shame on me". Depois desse murro que tomei no meio da boca, passei a intercalar jogos independentes entre as minhas jogatinas. Ainda não sou PC-Player, mas isso é provisório, sei que lá o universo Indie é muito mais aflorado e incentivado do que nos consoles, mas acredito muito que a tendência do mercado de video-games seja cada vez menos superproduções e mais títulos independentes.
Dúvidas, críticas ou sugestões: demolidorgameplay@outlook.com
Limbo é muito bom mesmo. Inside eu ainda não joguei (por essa razão não li o texto dele), mas já sei que segue a mesma linha. Já que você decidiu incluir jogos indies na sua dieta gamer, queria te recomendar dois que gosto bastante: Guacamelee (briga de rua) e Valiant Hearts (guerra).
ResponderExcluirOpa! Iniciei Guacamelee no PS4 recentemente, mas estou segurando para jogar coop com a patroa... Ela adora beat and up. Joguei muito Streets of Rage e Scott Pilgrim com ela na geração passada. Muito legal mesmo!
ExcluirValiant darei uma olhada! Já vi ele em algumas sales da PSN. Futuramente eu pego sim! Obrigado pela indicação.
Espero seu comentário sobre inside! É um baita jogo! Abraço!
texto bem escrito, percebi o mesmo jogando limpo. O tamanho do texto também me agradou.
ResponderExcluirMuito obrigado pelo feedback! Esses dois jogos mudaram em muito a minha maneira de pensar sobre videogames.
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